Foto: Dr. Ruy Medeiros |
Era o ano de 1990, os senhores lembram-se
disso por que se tornou data odiosa para os senhores: ano de aprovação de uma
lei que, dentre outras coisa, diz assegurar às crianças e aos adolescentes
“todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento
físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de
dignidade”. Dizia e diz a mesma lei que é “dever da família, da comunidade, da
sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a
efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação,
aoesporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito,
à liberdade e à convivência familiar”.
Com a lei, que mudava o caráter da política
simplesmente repressiva e buscava por fim às FEBEMS da ditadura militar,
atualizando a democracia burguesa no Brasil, em relação a crianças e
adolescentes, os senhores nunca concordaram. O boicote à lei foi a medida que
os senhores adotaram e por isso combateram os Conselhos Tutelares, nada fizeram
pelo direito à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer, odiaram cada unidade
de atendimento.
Era de sua obrigação, senhores, fazer cumprir
a lei. Preferiram descumprí-la: nada de casas de acolhimento, nada de local
para receber o adolescente apreendido, nada de lugares adequados para aplicação
de medidas sócio – educativas. Passaram a divulgar que não havia qualquer
punição prevista em lei contra adolescente que praticasse ato infracional,
mentindo, mentindo sempre, para testar (?) a máxima da propaganda goebeliana
segundo o qual uma mentira muito repetida vira verdade. Não vira, transforma-se
em crime.
Depois de nada fazer para aplicar a lei e a
política de sua própria democracia burguesa, os senhores dizem que o Estatuto
da Criança e do Adolescente não deu certo. Não o aplicaram simplesmente. Sempre
desejaram as FEBEMS, a prisão de adolescentes flagranteados, ou não, em
masmorras onde estão depositados adultos que, por sua vez, de acordo com seu
pensar, não devem ser tratados como pessoas, mas de acordo com a lei do Talião
de épocas do despotismo oriental, tão invejado pelas mentes obscuras dos
senhores.
E a omissão, senhores, diante de milhares de
jovens assassinados, torturados apedrejados? Por que os senhores sempre se
calaram diante desse crime? Por que, detendo poder, não pediram sequer
protocolar investigação? Nada de CPI para investigar tais crimes: os senhores a
destinam a palanque contra eventuais adversários ou interesses, não para
indicar meios para resolver problemas nacionais. Calam-se diante de crimes.
Agora, depois de forte exposição na mídia, de
atos praticados por adolescentes pobres, de aterrorização da sociedade, os
senhores apontam estatísticas de opinião favoráveis à redução da maioridade
penal. A velha manipulação de sempre: a arregimentação de meios de comunicação
para formar opinião desejada. Nada melhor para isso que repetir à exaustão
fato,revestí-lo com o discurso do ódio.
Omitem que tais atos são infinitamente em
menor número que os crimes dos adultos. Apresentem senhores números
consistentes! Em verdade as estatísticas de atos infracionais graves cometidos
por adolescentes variam entre 1% a 2,0% de todos os atos contra a vida
cometidos por todos aqueles que os cometeram. Isso significa que entre 98% e
99% dos crimes contra a vida não são cometidos por adolescentes.
Nada de politica de proteção, em outras
palavras, os senhores dizem: chibata e cárcere, além das penas já suportadas da
miséria e do apartheid.
Tirem sua máscara, senhores.
No fundo, os adolescentes pobres não lhes
interessam: não são consumidores e não podem ser reduzidos a mão-de-obra
semi-escrava. Os produtores de mercadorias, que os senhores defendem de unhas e
dentes, não precisam de não consumidores. Por que iriam protegê-los?
A sua própria política de segurança segue a
lógica da mercadoria e da exclusão social, como se vê na ocupação militar dos morros
e na estigmatização das comunidades, seguida de venda e mais venda de balas, ou
na sua mercantilização na forma de serviços de segurança privados (um enorme
exército privado), de cercas elétricas, de monitoramento, à distancia, com o
que os senhores revelam o sucesso de sua segurança pública: o enriquecimento
dos produtores de canhões, metralhadoras e balas. Sua segurança é tudo, menos
um direito social. A sua repressão pura e simples está por isso mesmo
transformando-se em prisão, na prisão dos não violentos.
Agora, os senhores preparam o golpe final
contra qualquer lei ou política de proteção à criança e ao adolescente, leia-se
criança e adolescente pobres. Nada de proteção, dizem os senhores com sua
omissão quanto às exigências do ECA e com sua raiva diante deste: masmorras,
como as milhares existentes no Brasil; silêncio contra o extermínio continuado
de adolescentes já punidos com a miséria.
Senhores, não os salvam a alegação evangélica
de alguns dos senhores. Não envelopem seu ódio com religião. Em verdade sua
omissão e seu silêncio vandalizaram corpo e coração. Não venham agora com seu
costumeiro “olho por olho”.
Fonte: Ruy Medeiros
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